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CARNAVAL

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A IDEIA DE CARNAVAL EM BAKHTIN

 

As ideias de carnaval e da correlata carnavalização emergem da leitura feita por Bakhtin da cultura folclórica popular da Idade Média e de sua transmissão no Renascimento, tema de seu livro Rabelais e seu mundo (quase todo escrito no final dos anos 1930 e durante os anos 1940, publicado em russo em 1965 e, em tradução para o inglês, em 1968). Em um sentido evidente, o carnaval é profundamente reflexivo do pensamento bakhtiniano como um todo, por levar as ideias-chave de corporificação e inacabamento a um extremo quase poético (pelo qual Bakhtin foi muito criticado). O livro sobre Rabelais está, portanto, mais obviamente relacionado com o ensaio sobre o cronotopo, ao elaborar, em sua ênfase sobre o vir-a-ser, a insistência em que nada é mais significativo do que a resistência ao fechamento, ao inacabamento do ser humano, à questão do processo de “como uma pessoa vem a ser outra” (FTC 115). Também se pode argumentar que, embora o ensaio sobre o cronotopo tenha focalizado o tempo como a “categoria primária” (FTC 85), o livro sobre Rabelais revisita o mesmo conjunto de problemas, só que agora priorizando “o princípio material corporal” (RM 19), em busca de todas as implicações da vida encarnada, participativa como base para um “conceito de ser [explicitamente] materialista” (RM 52). O tempo não está ausente do carnaval — se estivesse, não poderia produzir o desenvolvimento, o vir-a-ser requerido para a renovação e o renascimento (inacabamento) —, mas no carnaval como “espetáculo ritual” efetivo o tempo está suspenso: ele cede seu papel primário à habitação corporal do espaço de carnaval.

 

"em um sentido evidente, o carnaval é profundamente reflexivo do pensamento bakhtiniano como um todo”

 

Em um nível diferente, contudo, o carnaval compartilha outra característica com o cronotopo, característica que lhe garante um, de certo modo, curioso status no pensamento bakhtiniano. Enquanto conceito bakhtiniano indubitavelmente significativo — talvez até mesmo o mais reconhecível e influente entre todos —, o carnaval, como o cronotopo, emerge depois da virada linguística que impulsiona uma mudança fundamental no pensamento de Bakhtin no final dos anos 1920; e, assim como o cronotopo, o carnaval não deriva nem depende de uma teoria da linguagem. Tanto no carnaval quanto no cronotopo, mesmo que em graus diferentes, a figura de Rabelais encarna e exemplifica uma mudança qualitativa na literatura europeia em termos da “plenitude” que a imagem espaçotemporal, tanto do personagem quanto da história (o personagem-na-história), está equipada para representar. Contudo, na teoria bakhtiniana do cronotopo, a linguagem, como vimos, é finalmente reinscrita em seu sistema conceitual; na teoria do carnaval, isso é pelo menos discutível, e a linguagem parece permanecer secundária ao “princípio material corporal” e ao riso, que emerge como forma única de mediação entre o corpo (ser material) e a mente (corporificação verbal). 

 

“o carnaval é o conceito bakhtiniano mais autossuficiente ou 'portátil'"

 

O carnaval, como o cronotopo, pode ser visto em última instância como uma transposição do programa bakhtiniano central, uma variação sobre o mesmo tema; ele também pode ser visto como permanecendo à parte da obra de Bakhtin como um todo. A despeito de suas relações potenciais com o restante da obra bakhtiniana, o carnaval é o conceito bakhtiniano mais autossuficiente ou “portátil”, capaz de permanecer (ou de cair) em isolamento, talvez porque também seja a mais integralmente tópica ou até mesmo ocasional de todas as ideias de Bakhtin. O carnaval pertence e é determinado pelo tempo e pelas circunstâncias nas quais foi elaborado em maior medida do que tudo o mais que Bakhtin tenha produzido. 

 
 

Texto extraído do livro: Mikhail Bakhtin, Alastair Renfrew, pp-164-165 [trad.: Marcos Marcionilo], Parábola Editorial, 2018

 

 

 

 

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