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POLÍTICA LINGUÍSTICA

POLÍTICA LINGUÍSTICA

 

Nacionalismo linguístico?

 

É uma provocação habitual nas aulas de linguística começar afirmando que as línguas não existem. E é um bom começo! Imediatamente aparecem caras de estranheza, gente coçando a cabeça, olhos arregalados, pequenos protestos e, às vezes, reações indignadas, exigindo maiores explicações.

 

só existem enunciados produzidos em situações concretas de interação

 

Rapidamente, enquanto se derrubam em câmera lenta as representações mais robustas que todos temos sobre a linguagem, temos de explicar que, em sentido estrito, só existem enunciados produzidos em situações concretas de interação. A partir desses enunciados, os linguistas deduzem um sistema abstrato de relações entre elementos gramaticais, um código. Os falantes, de modo geral, reconhecem nacionalidades (se a pessoa fala francês, isso deve querer dizer que ela é da França e, se fala alemão, deve ser da Alemanha), regiões ou posições sociais (é um falante de baixa instrução, ou alta, ou do norte do país, ou do sul...) com base em estereótipos. Contudo, como já dizia Saussure no Curso de linguística geral, a língua não é uma pedra, nem uma árvore; não a encontramos inteira, como um objeto material, em parte alguma, nem em uma gramática, nem num dicionário. Mesmo que a gente construa um Museu da Língua (como os que existem em Buenos Aires ou em São Paulo), não vamos encontrar a língua lá. Só enunciados em/sobre ela. As línguas são construções sociais, representações que identificam grupos de falantes, e quando se legisla para reconhecê-las oficialmente, ou para que tenham presença no sistema educativo de um país, se está legislando para que seus falantes possam utilizá-las em determinados âmbitos de uso. Como objetos sociais, as línguas são um “problema” político, objetos de disputa e de debate. Em termos democráticos, as línguas são objetos de/para o diálogo.

 

a língua não é uma pedra, nem uma árvore; não a encontramos inteira, como um objeto material, em parte alguma

 

É fácil, abstratamente, tecer loas à diversidade linguística. Já apoiar uma língua é, sem o menor equívoco, defender que seus falantes possam utilizá-la. Para os Estados nacionais, construídos com base no monolinguismo social, esse reconhecimento não é fácil. O primeiro passo é decidir quem é o sujeito dos direitos linguísticos que se deseja reconhecer. Para tanto, é necessário levar em consideração que as línguas só existem socialmente quando há comunidades de falantes que se identificam com elas. Não existem falantes isolados, porque falar sempre é falar com alguém. Por isso os Estados nacionais costumam ter problemas com a diversidade linguística, porque assumi-la politicamente supõe reconhecer a existência de comunidades que, por meio da língua que compartilham, se reconhecem como tais, assim como reconhecem que não coincidem com a comunidade imaginada pelo “Estado nacional”.

 

as línguas só existem socialmente quando há comunidades de falantes que se identificam com elas

 

É nesse sentido que podemos dizer: o Estado espanhol, mesmo oficialmente plurilíngue, é profundamente monoglóssico, ou seja, de ideologia e prática monolíngues. O reconhecimento político da diversidade linguística que ele esboça é exclusivamente territorial, nas comunidades autônomas que se reconhecem como detentoras de língua própria. Fora desses territórios, as “línguas da Espanha” (como as chama tão pomposamente a Constituição de 1978) não circulam, apenas existem, nem nas instituições comuns do Estado, nem em nenhuma outra parte. Tentem comprar um livro em galego, basco ou catalão em Salamanca, por exemplo. E essa territorialidade está limitada pelo dever constitucional de declarar prioritária, em todos os casos, a língua espanhola. Isso supõe eliminar as possibilidades de sustentação das línguas autônomas, que não podem ocupar todos os espaços necessários nas sociedades contemporâneas para garantir seu futuro. Quando, por exemplo, essas línguas são utilizadas de modo prioritário no ensino, surge uma oposição ferrenha, nacionalista, que demonstra como as declarações formais de apoio à diversidade são letra morta, palavras vazias.

 

Tentem comprar um livro em galego, basco ou catalão em Salamanca, por exemplo

 

As línguas são, de qualquer ponto de vista, realidades complexas. Constituem-nos como pessoas, constroem o mundo que habitamos. O nacionalismo espanhol, que despreza outras línguas, que, quando muito, as tolera quando elas assumem um lugar subalterno, fecha portas, elimina possibilidades de entendimento, impede o diálogo. Como falante e estudioso do galego, a língua na qual me reconheço, venho dizendo isso já faz alguns anos. E agora, exatamente agora, sinto a necessidade de recordá-lo.

 

Tradução: Marcos Marcionilo [texto originalmente publicado em espanhol: http://www.espaciosantillanaespanol.com.br/nacionalismo-linguistico/, acesso: 31Out2017]. Agradecemos a Xoán Lagares a permissão para traduzi-lo e replicá-lo aqui.      

 

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