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Faculdade de Letras, xiii... e agora?

Faculdade de Letras, xiii... e agora?

 

5 Dicas para fazer do aluno um profissional

 

O sistema educacional brasileiro tem mais leis no papel do que organização de verdade na prática. Uma das consequências mais diretas disso é que os níveis de ensino não conseguem conversar entre si. A educação básica tem métodos, materiais e programas com uma estética própria que não têm qualquer relação com a estética da graduação. Então, quase sempre ocorre um choque tremendo no aluno que sai do ensino médio e consegue entrar na faculdade de Letras. Ele se sente perdido e demora bastante para se dar conta do que querem dele ali –  isso quando consegue descobrir o caminho das pedras. O mesmo ocorre quando ele sai da graduação e entra em um mestrado ou doutorado, que são outros dois níveis que parecem se odiar, cada um com sua estética própria e monológica. Ao invés de haver uma contínua progressividade nos níveis de ensino, está cada um no seu quadrado, e o aluno que se vire para se adaptar. E isso é bem ruim.

 

Vejamos, então, alguns elementos importantes da estética geral da graduação. Queremos ajudar o aluno ingressante a descobrir o que querem dele em um curso de Letras. A ideia é diminuir o sofrimento pessoal e melhorar o desempenho desses alunos por meio da compreensão de como as coisas funcionam (ou deveriam funcionar) nos cursos superiores brasileiros. Vamos lá!

 

 

1. Chega de pegar na mão 

 

Talvez o maior choque na passagem do nível médio para o superior seja que o aluno se sente “solto” e, por isso, meio perdido. Ele estava acostumado a receber tudo na mão num lugar cheio de regras e, agora, vai ter de correr atrás de muita coisa sozinho. O que se espera de um estudante universitário é que ele tenha iniciativa e cuide de sua própria vida acadêmica. Professores universitários têm a expectativa de não precisarem ficar falando dez vezes a mesma coisa nem pegando na mão dos alunos para que eles façam o que têm de fazer. Perguntas como “vai cair na prova?” ou “vale nota?” não têm mais lugar no ensino superior. 

 

É hora de o aluno anotar tudo o que considerar importante (e quem deve julgar isso é ele mesmo), organizar o próprio material recolhido, preparar-se para as avaliações com tudo o que for passado em sala e em relação ao material que for dado para a leitura fora de sala. Aquela história de “o professor não explicou isso em sala...” não cabe mais: muitas vezes, o tal “isso” estava em um texto recomendado para leitura. Agora, o aluno precisa ser verdadeiramente dono de sua vida estudantil: isso o conduzirá à independência intelectual que se espera dele. É a construção de uma vida intelectual autônoma.

Aquela história de “o professor não explicou isso em sala...” não cabe mais

 

 

2. Estou na faculdade de Letras: não dá mais para viver de resumos e fragmentos 

 

Às vezes, fico me perguntando se existe um gênero textual chamado “picadinho”. Se ele existe, está nos livros didáticos no Brasil. Um livro didático é um amontoado de fragmentos de coisas que incluem desde parágrafos soltos de grandes obras, tirinhas, anúncios e recortes de revistas até explicações superficiais – e não quase sempre equivocadas – das coisas, isso tudo intercalado com dicas, macetes e ilustrações nada-a-ver. A superficialidade é a nota tônica desse samba, e o aluno se alimenta de fragmentos aqui e de mais fragmentos ali. Assim ele passa toda a educação básica. Não é incomum saber de um aluno que terminou o ensino médio e nunca leu um livro inteiro. Muitas vezes, até na disciplina de literatura, os alunos se contentam com resumos conseguidos na internet. A obra original fica de lado.

 

No ensino superior se espera que esse contentamento com fragmentos e resumos acabe, e na faculdade Letras esta expectativa é ainda maior. É hora de ler, e de ler muito! Livros inteiros, artigos científicos completos, obras extensas de determinados autores. Em muitas disciplinas da faculdade de Letras, a leitura de um único livro não resolve mais e é necessário que o aluno dê conta de vários deles. É uma nova forma de abordagem de conteúdo, em que o “picadinho” dará lugar à completude. O alimento intelectual precisa se tornar mais consistente e mais pesado. É hora de um estudo superior em todos os sentidos.

 

 

3. Control C > Control V? Não, não!

 

Embora os professores de educação básica não gostem que seus alunos copiem tal e qual acham as coisas da internet, muitos estudantes insistem nessa prática e, mesmo assim, acabam sendo aprovados. Talvez por isso, a cópia descarada do conteúdo – muitas vezes fraco e errado – de páginas da internet tenha virado uma mania na educação básica. Os professores brigam, brigam, mas a coisa continua. No ensino superior isso tem de acabar. Nada mais de copiar e colar. Agora, o aluno tem que aprender a escrever de verdade. O aluno tem que ser capaz de ler o texto, assimilar seu conteúdo e apresentá-lo na forma de um texto próprio, autoral. Isso demora um pouco para aprender, mas precisa ser aprendido! Copiar e colar algo que não é seu como se fosse seu é plágio. Isso é crime e uma prática abominável no ambiente acadêmico.

 

Também é necessário desenvolver a capacidade de fazer uma análise crítica e embasada do conteúdo apresentado nos textos que se leu. Se o aluno não tiver aprendido a ler, é claro que vai ter dificuldade de fazer isso, pois as coisas estão relacionadas. Ler e escrever bem são duas das mais necessárias competências para um aluno do ensino superior e na faculdade de Letras; por isso a importância de desenvolvê-las desde os primeiros anos escolares.

 

Além disso, esqueça a enrolação e a encheção-de-linguiça. Seja objetivo e suficiente no que apresenta, tanto nos trabalhos como em suas respostas nas avaliações. Uma das coisas que mais dolorosamente se aprende no ensino superior é que, quanto mais se fala, mais se erra. Uma resposta curta, clara e direta quase sempre é bem melhor do que tentar impressionar os professores com um monte de baboseiras de “boa aparência”.

 

 

4. Dona ABNT  

 

Entregar trabalho com fitinha vermelha amarrando as folhas e o título escrito com letras coloridas? Escrever “Obrigado, professor!” na última página? Esqueça! No ambiente acadêmico, a regra é fazer as coisas com mais racionalidade. Mais do que uma fitinha vermelha, o que interessa é o conteúdo do seu trabalho ser apresentado de forma racional. E, para apresentar o conteúdo de forma racional e fácil de outras pessoas entenderem, existem as normas técnicas que, no Brasil, são estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT. “Apresentar os trabalhos no padrão ABNT” é uma das coisas que os alunos mais vão ouvir no primeiro ano da faculdade de Letras. Depois disso, fica subentendido que tudo o que se fizer tem de estar nesse padrão. Vai fazer uma citação de outra obra? Uma referência? Fazer a capa? Formatar a estética geral do trabalho? Faça tudo pelas normas da ABNT, disponibilizadas pela maioria das instituições em seus sítios eletrônicos ou nos manuais de metodologia científica disponíveis no mercado.

 

Isso não quer dizer “escrever difícil”, mas escrever de forma adequada

Além disso, se exige que os trabalhos sejam escritos na linguagem própria de cada área. Gírias, clichês, palavrões e outras mumunhas estranhas ao ambiente da disciplina não são bem vistos. Isso não quer dizer “escrever difícil”, mas escrever de forma adequada ao que se exige em cada área, de preferência com rigor técnico e usando as palavras adequadas nos sentidos que a área confere a elas. Isso exigirá do aluno se acostumar com os termos técnicos e demais palavras de sua área, o que ele só conseguirá lendo bastante. Só com o que o professor diz em sala, não será possível alcançar um nível de domínio dessa linguagem específica: isso só se consegue com esforço pessoal na leitura da maior quantidade possível de bom material da área que se está cursando.

 

 

5. Nunca faça o mínimo exigido

 

Um dia desses, respondi à pergunta mais interessante de minha vida profissional como docente do curso de Letras. Um aluno me perguntou como ele deveria fazer para tomar meu lugar de professor titular na universidade. A resposta é bem simples. Disse a ele:

– Depois que eu comecei a entender o que era estudar, o que aconteceu no ensino médio, nunca mais fiz prova ou trabalho para professor algum. Sempre fazia as coisas para mim mesmo.

 

Ele perguntou o que significava isso. Eu expliquei:

– Quem faz uma prova ou trabalho pensando no professor, faz sempre menos do que o mínimo exigido, porque ele pensa só no mínimo que ele acha vai agradar ao professor e, como o mínimo do aluno é menor do que o mínimo do professor (uma vez que o professor, como estudou mais e conhece mais, também se torna mais exigente), o aluno sempre acaba fazendo muito pouco. Quando o aluno esquece o professor e faz o seu melhor, quando ele vai além do mínimo, quando ele tenta aprender tudo o que pode enquanto faz um trabalho ou estuda para uma avaliação, quando ele não se contenta com pouco e exige mais de si mesmo, ele sempre supera seu próprio conceito de mínimo e, muitas vezes, acaba surpreendendo o professor. Quando entende que deve estudar para si e não para o professor, o aluno sobe de nível, inclusive intelectual. Um aluno de nível superior é um aluno que estuda para si e não para cumprir as exigências mínimas. Não está ali cumprindo tabela, está ali para crescer como pessoa. Isso me trouxe onde estou e pode levar você a ocupar meu lugar em alguns anos, se vier a se tornar docente numa faculdade de Letras ou em qualquer curso superior.

 

 

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Língua Portuguesa e humor. Outra vez!

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