Ana Elisa Ribeiro
Uma vez, anos atrás, respondi a uma entrevista de um jornal especializado em educação. A pergunta deles era sobre aquele lance de “laboratório de informática” na escola. Lembram? Salas resfriadas, cheias de máquinas cabeadas, regras, regulamentos, proibições, bloqueios preparados, softwares dedicados, senhas e modos de usar, geralmente administradas por um técnico sisudo — perdão pela caricatura — ou pelo(a) gestor(a) da instituição. Não lembro exatamente o que eu disse, mas já demonstrei ali minha desconfiança. Suspeitava, desde sempre, que a questão ia muito além do ter máquinas num determinado espaço físico. Antes e depois disso, sempre acompanhei as discussões sobre projetos de infraestrutura para escolas. Geralmente, o ensino público se ressente disso. Não foi por falta de ideia ou de tentar. Existiram projetos que davam notebooks simplificados para estudantes; projetos que entregavam “laboratórios” para escolas; projetos que entregavam tablets no ato da matrícula; projetos que entregavam plataformas ou softwares para atividades remotas etc. Nem sempre vi acontecer o que importa: projetos que mantenham a formação de professores e professoras, no século XXI e para o século XXI, e que, de quebra, reeduquem, também, as famílias quanto a isso. (Já vi escola recusar a compra de um e-book porque o tal livro indicado para leitura tinha de ser, não sei bem por quê... ou desconfio, impresso).
Às vezes me vem à cabeça uma analogia. Já houve incontáveis projetos assim com livros. Livros de papel, esse equipamento incrível, que também insiste em não chegar direito às mãos das pessoas. Há mil programas de incentivo, programas que dão livros às bibliotecas escolares, projetos que montam bibliotecas onde não há, projetos que entregam “cestas básicas” com livros para levar para casa, projetos que facilitam a possibilidade de um acervo familiar. Nos dois casos, algo acontece de errado no caminho, e as coisas acabam ficando distorcidas. Por mais que haja casos, aqui e acolá, bem-sucedidos, fora da curva etc., há um imenso elenco de casos de insucesso, de desprezo, de abandono. Muitos desses livros distribuídos foram vendidos aos sebos pelas famílias que os deveriam ler; outras obras jamais chegaram às mãos dos(as) leitores(as). Houve, do mesmo modo, escolas que trancaram seus computadores novos em salas fechadas e os deixaram lá, até que rapidamente ficassem obsoletos. Houve gestores(as) que amarraram tablets nas mesas de um ambiente fechado a chave; houve escolas que regularam excessivamente o uso das máquinas, alegando que computadores estragados não serão consertados. De fato, conheci situações em que um técnico em informática passava pelas redondezas, quando muito, de seis em seis meses. Os “laboratórios” iam caducando, caducando, até virarem lenda. Uma amiga viu pilhas de gabinetes de computadores de mesa virarem ninho de pombo em escolas que jamais os tiraram direito das embalagens. Houve escolas que receberam máquinas recauchutadas, que mal podiam ligar. E houve quem achasse tudo isso uma grande “moda”. Também houve a briga pelo software livre, muito justa. E outras tantas impertinências sobre máquinas e seus possíveis usos pedagógicos. Até hoje, neste exato instante, debate-se ou simplesmente veta-se o uso de celular em sala de aula. O problema não é ele, é o que fazer com ele. Aliás, a questão vale para quase tudo. Não foi, reitero, falta de ideia. Nem de tentativa.
Estive pensando, por estes dias, diante do surto de insensatez pelo qual o ecossistema escolar está passando: não me lembro de ter trabalhado em alguma escola que desse acesso irrestrito a máquinas e à web aos(às) estudantes. Fui docente em escolas privadas, grandes e pequenas; e fui/sou docente de escola pública grande e de prestígio. Nunca tive à disposição um “laboratório” um-por-um, isto é, cada cadeirinha... um(a) estudante. Era sempre complicado ir, complicado ligar, complicado ficar, complicado acessar, complicado produzir, complicado obter os softwares especializados, complicado confiar que a máquina e a produção estariam lá quando voltássemos, complicado disputar o espaço com colegas, complicado atender a trios-por-máquina, complicado, complicado. Tão complicado que a gente desiste. Os parcos 50 minutos de aula não foram feitos para essa era digital.