Blog da Parábola Editorial

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LINGUÍSTICA APLICADA AO ENSINO DE LÍNGUA MATERNA

LINGUÍSTICA APLICADA AO ENSINO DE LÍNGUA MATERNA

 

Entrevista com Luiz Carlos Travaglia

 

ReVEL Para o senhor, quais são as principais contribuões que a linguística moderna trouxe para o professor de língua materna?

 

Luiz Carlos Travaglia São tantas que fica impossível enumerar. Todavia podemos dizer de maneira genérica que a grande contribuição da linguística moderna para o professor foi trazer um conhecimento mais estruturado, científico e profundo sobre como a língua é constituída e sobre como ela funciona enquanto instrumento de comunicação com uma dimensão social e histórica que é mesmo constitutiva da língua. O professor que domina esse conhecimento tem melhores condições de decidir o que é pertinente trabalhar com os seus alunos e como estruturar as atividades que os ajudem a atingir um maior domínio da língua e a ter uma maior e melhor competência comunicativa. É preciso, entretanto, ter a humildade de reconhecer que o muito que sabemos hoje em relação ao que se sabia no início do século XX é ainda pouco.

 

O professor que domina esse conhecimento tem melhores condições de decidir o que é pertinente trabalhar com os seus alunos e como estruturar as atividades

 

ReVEL Ainda hoje, infelizmente, a linguística não tem muito espaço nos cursos de graduão em Letras no Brasil. O senhor acha que deveria haver mais disciplinas de linguística teórica e/ou aplicada nos currículos dos cursos de graduação em Letras? Como uma formação em linguística pode auxiliar o futuro professor de português?

 

Luiz Carlos Travaglia Evidentemente quanto mais se estuda as formulações de uma ciência, mais condições de trabalhar de modo competente com o seu objeto (no nosso caso a língua) e por isto é desejável estudarmos o mais que pudermos. Já disse como basicamente o conhecimento linguístico (uma formação em linguística) pode auxiliar o futuro professor tanto de língua materna (no nosso caso o português), quanto de língua estrangeira.

A questão dos currículos é complexa. Há limitações de tempo dos cursos e limitações legais entre outras, e é preciso fazer o possível para obter o máximo nas condições disponíveis. Você diz do pouco espaço da linguística nos cursos de graduação em Letras no Brasil. 

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a situação é diferente em cada curso em termos do número de disciplinas específicas de linguística e/ou linguística aplicada. Mas devemos lembrar que nas aulas de língua portuguesa e estrangeira dos cursos de graduação em Letras o professor pode trabalhar com uma visão linguística dos fatos relativos à língua, seu funcionamento, seu ensino/aprendizagem. Isto aumentaria em muito o contato dos alunos com os conhecimentos desenvolvidos pela ciência linguística tradicional e moderna (pós-Saussure?). 

Em segundo lugar, não se pode esquecer que nosso estudo e formação são constantes: você pode fazer cursos de aperfeiçoamento, de especialização, de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Mesmo que faça tudo isto, descobrirá que ainda sabe pouco do que a linguística já disponibiliza hoje. Sendo assim, é preciso crer no estudo individual, pois é possível lermos constantemente sobre linguística. Pense bem no seguinte: mesmo que fosse possível colocar cinquenta disciplinas de linguística em um curso de graduação, isto seria suficiente ou não? A resposta é, obviamente, não. O curso de graduação precisa estabelecer uma base de conhecimentos que permita ao estudante continuar seus estudos em outros níveis e mesmo sozinho. Acho que é esta a função do curso de graduação: a formação básica, sólida e, claro, o mais ampla possível, que nos permita ir em frente. Ninguém pode esperar que qualquer curso lhe dê tudo. Não falei das diferenças individuais de empenho e capacidade na captação do que está sendo tratado nos cursos, pois esta é outra questão bastante complexa.

 

mesmo que fosse possível colocar cinquenta disciplinas de linguística em um curso de graduação, isto seria suficiente ou não? A resposta é, obviamente, não

 

ReVEL Em torno dos PCNs, foram provocadas muitas polêmicas desde sua criação. Enquanto uns acreditam que foi um grande avanço para a educação, outros pensam o contrário. Qual o seu posicionamento diante dos Parâmetros Curriculares Nacionais?

 

Luiz Carlos Travaglia – Embora seja óbvio que tudo neste mundo tem aspectos positivos e negativos, não posso me furtar a um lugar-comum: para mim, os PCNs referentes ao ensino de língua tiveram a grande vantagem justamente de pôr em campo as conquistas da linguística moderna, propondo um ensino que se atenha a uma visão mais apropriada da língua como meio de comunicação e de que o importante é desenvolver a competência comunicativa do aluno tanto quando usa a modalidade oral como quando usa a modalidade escrita da língua. O que os PCNs propõem acarreta um rompimento com certas tradições do ensino/aprendizagem de língua e força o professor a uma busca de atualização. É aquela coisa que falei do estudo constante, mesmo fora de cursos. Isto evidentemente mexe com certas condições de trabalho, ataca determinadas posições em que nos acomodamos (como, por exemplo, a de que precisamos ensinar metalinguagem, teoria linguística/gramatical) e que sem dúvida são confortáveis. Os PCNs obrigam-nos a estudar, a rever posições, a usar criatividade para fazermos algo de forma diferente e para fins que não são aqueles que sempre julgamos inarredáveis. É preciso convir que tudo isto gera inquietação, polêmica, defesas e ataques. Mas tudo isto é muito saudável para nós, enquanto professores, enquanto seres humanos, cidadãos que queremos instaurar melhores condições de existência para todos. Em meus artigos e livros tenho sugerido algo que espero seja igualmente provocador de uma reflexão do professor sobre sua função e sua prática. Acho que precisamos de estabilidade para fazer as coisas, mas precisamos evoluir, tentar; mesmo que seja para ver que a outra possibilidade não é boa ou não é tão boa quanto aquela em que temos atuado. Vale manter o que é bom e é desejável, procurar alternativas, possibilidades, outras coisas que são boas, ótimas, positivas, caminhos alternativos que somam resultados. Vale a boa diversidade.

 

O que os PCNs propõem acarreta um rompimento com certas tradições do ensino/aprendizagem de língua e força o professor a uma busca de atualização

 

ReVEL Hoje em dia, fala-se muito em ensino de língua materna por meio do trabalho comneros textuais inclusive nos PCNs. O que o senhor pensa sobre o trabalho com gêneros textuais nos ensinos fundamental e médio?

 

Luiz Carlos Travaglia Creio que é importante por diferentes razões. A maior delas é que temos de trabalhar a competência comunicativa dos alunos e, como a comunicação se faz por textos, uma das coisas mais importantes no ensino de língua é possibilitar às pessoas que saibam produzir e compreender textos de maneira adequada a cada situação de interação comunicativa. Ora, cada tipo de situação de interação comunicativa estabelece um modo de interação que acaba configurando uma categoria de texto (vou usar esta denominação em vez de gênero, pois este termo já está muito comprometido com conceituações diversas e distintas) adequada àquele tipo de situação. Dessa forma uma pessoa só terá uma boa competência comunicativa se for capaz de produzir e compreender textos de diferentes categorias. Cada categoria de texto possui características próprias em termos de conteúdo, estrutura (inclusive a superestrutura) e aspectos linguísticos específicos (marcas) em correlação com as propriedades discursivas dessa categoria de texto. Estas configurações, sem dúvida, pertencem à gramática de cada língua. Assim sendo é preciso e conveniente estudar/trabalhar (não necessariamente numa perspectiva teórica) estas configurações associadas a cada categoria de texto, pois o aluno precisa ter a habilidade de construir categorias de textos diversas adequadas às diferentes situações de interação comunicativa em que ele se encontra envolvido. Todavia, como disse em um texto meu (“Tipologia textual, ensino de gramática e o livro didático” – apresentado, em outubro de 2003, no VII Fórum de Estudos Linguísticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro), há muitos elementos da língua cujo uso não está vinculado a categorias de textos e, assim sendo, não é possível fazer um estudo centrado apenas em gêneros textuais como alguns têm proposto a partir de certa leitura dos PCNs. Já disse algumas coisas a este respeito em trabalhos meus. Infelizmente nosso espaço aqui é pouco. Mas espero que tenha ficado claro que penso que o trabalho com a língua por meio de categorias de textos é muito importante, mas não é suficiente.

 

ReVEL Que livros o senhor poderia indicar para os acadêmicos de Letras que pretendem trabalhar com angua Portuguesa em sala de aula?

 

Luiz Carlos Travaglia Você me propõe uma questão quase impossível de responder. Não pela falta de bons livros que tratam da questão do ensino/aprendizagem de língua portuguesa, sobretudo como língua materna ou primeira língua, como preferem alguns. É justo o contrário: temos hoje no Brasil, felizmente, uma vasta produção sobre este assunto. Nossa linguística aplicada tem publicado muitos livros e artigos bastante pertinentes, inclusive trazendo sugestões metodológicas bem concretas de trabalho em sala de aula. Estes trabalhos tratam das áreas básicas do ensino/aprendizagem de língua materna: ensino de produção de textos orais e escritos, ensino de compreensão de textos escritos e orais (leitura), ensino de léxico e vocabulário, ensino de gramática. Creio que a leitura de vários destes livros e artigos é importante para o professor que quer fazer um bom trabalho. Permita-me declinar de indicar diretamente obras e/ou autores, inclusive os meus trabalhos na área.

 

Nossa linguística aplicada tem publicado muitos livros e artigos bastante pertinentes, inclusive trazendo sugestões metodológicas bem concretas de trabalho em sala de aula

 

Entrevista originalmente publicada como: TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Materna: uma entrevista com Luiz Carlos Travaglia. ReVEL. Vol. 2, n. 2, 2004. ISSN 1678-8931 [www.revel.inf.br]. Agradecemos a Gabriel de Ávila Othero a licença de reprodução.


 

Coesão e coerência textual
LINGUÍSTICA TEXTUAL

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