Uma crônica de Natal

 

Quando minha mãe morreu, ela tinha perdido totalmente a razão. Como se diz "no popular", ela enlouqueceu. A primeira grande crise de lucidez que ela teve foi no Natal, mais precisamente, na noite do dia 24. Aquele ano foi atípico. Eu ainda morava em Rondônia e, na Universidade, estávamos cumprindo calendário de greve. Eu aplicaria avaliações até o dia 23 de dezembro. E – é claro – não daria tempo de sair de Rondônia de carro com a família no dia 24 de manhã para estar no dia 24 à noite em Campinas. Além disso, estávamos apertados nas finanças. Eu tinha explicado tudo isso para a família, mas minha mãe não se conformou. Minha irmã me contou que minha mãe se sentou no sofá às 18 horas e ficou olhando fixamente para a porta da sala até uma da manhã, esperando que a porta se abrisse e o filho entrasse por ela com a nora e os netos. Mas, isso não aconteceu. Em janeiro, tive que fazer uma viagem de emergência – agora de avião – para buscar minha mãe. Ela havia piorado, tinha caído e se machucado, e viria a falecer 40 dias depois. O último Natal de minha mãe, mesmo que ela já estivesse doente da razão, não foi esperando um presente caro nem desejando uma ceia farta, foi esperando a porta da sala se abrir para que nós fôssemos o seu presente.

 

Demorei muito para entender isso. Demorei muito para entender que os Reis Magos é que ganharam um presente naquela noite na pobre estrebaria de Belém e não o Menino Jesus. Demorei muito para entender por que Deus mandou que chamassem Seu Filho de Emanuel. "Emanuel" significa "Deus conosco". E eu nunca havia parado para pensar que "Deus conosco" é diferente de "Deus comigo". Jesus é a presença de Deus com pessoas que dão sua presença às outras. O Natal se realiza em um "nós" e não em um "eu".

 

Natal é presença. Natal é comunhão. Natal é abraço, é calor, é carinho, é gratidão. 

 

Natal não é "ouro" nem "incenso" nem "mirra": é Deus conosco.

 

Quando vejo pessoas correndo de um lado para o outro preocupadas com presentes e com o banquete da ceia, fico preocupado. Será que isso vai substituir a presença, a convivência, o amor? Será que elas estão pensando que têm a obrigação de estar lá com as mãos cheias de presentes e com a mesa farta? Ou que só podem se encontrar se estiverem "de bem"? Se for isso – ó infelicidade! – não há "Deus conosco", não há perdão nem reconciliação nem paz! Natal é "paz na Terra aos homens de boa vontade"! Não importa se há ou se não há presentes, se a ceia é com peru ou com ovo frito, não importa se a roupa é bonita ou se o perfume usado é fino, não importa o que os modernos "reis magos" possam trazer em suas sacolas brilhantes de shopping center: o que importa é estar lá, é abraçar, é sentir o pulsar do coração, é ver a lágrima de felicidade que cai pelo rosto, é sentir o perdão, a reconciliação, a paz, é experimentar o que significa, realmente, "Deus conosco".

 

Por isso, há alguns anos, quando penso em Natal, não penso mais em árvore, presentes ou comida. Não! Isso não preenche os corações! Não é mal em si, mas não é "Deus conosco". O que desejo – profundamente! – é que as portas das salas de todas as mães se abram, que das mansões aos barracos, as portas se abram, que em cada asilo e em cada hospital, as portas se abram, que em cada casa solitária, a porta se abra, que em cada coração, a porta se abra e que, por todas essas portas, entre Deus conosco. Isso é Natal. Isso é Emanuel.