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Libras? Que língua é essa?

Libras? Que língua é essa?

Confrontando discursos sobre a língua brasileira de sinais


O título deste texto traz à memória a publicação de Audrei Gesser, o livro LIBRAS? Que língua é essa? publicado pela Parábola Editorial em 2009. Outro dia, eu disse a Audrei que esse era um livro que eu gostaria de ter escrito. Pelo linguajar claro, pelo didatismo e pelo ineditismo. Sim, ineditismo. Pode até parecer que estou dando os louros para quem chegou muito depois, mas publicações anteriores na área ou versavam sobre a “surdez” de uma forma muito geral, ou sobre a Libras de uma forma mais técnica. Ou seja, oito ou oitenta. A pergunta que coincide com o título do livro de Gesser e da escrita deste texto talvez hoje não esteja mais tão presente na mente dos brasileiros, muito em face das explicações contidas naquela publicação. Que bom!

Em relação às outras línguas faladas no Brasil além do português, a LIBRAS é uma língua de inegável evidência. Hoje já vemos as pessoas utilizando a língua de sinais nas ruas (pelo menos eu percebo!), nos estabelecimentos comerciais, televisão, universidades etc. Numa ubiquidade maravilhosa e libertária, já que a Libras por muito tempo ficou relegada ao uso caseiro e às instituições de ensino para surdos no Brasil. Não que a população surda brasileira tenha crescido em relação às outras décadas, não! Mas, ela ganhou visibilidade. Apareceu graças à mudança de olhar, que se deu em grande parte por conta dos estudos de educadores, linguistas e da luta da própria comunidade surda, atualmente mais empoderada.

Os surdos expandiram os locais de uso de sua língua e ganharam legitimidade para isso (cf. lei 10.436/2002). Embora ainda não seja uma das línguas oficiais do nosso país, arrisco dizer que a Libras é a segunda língua mais falada no território nacional, depois do português, pois a comunidade surda chega a quase 1,5 milhões de pessoas usuárias (IBGE, 2010). “Sociolinguisticamente” falando, a situação da língua não é a ideal para uma comunidade de fala (em termos de aquisição e prática), porque a surdez é randômica. Nunca se sabe se alguém nascerá surdo ou não. E não existe uma cidade, estado ou país só de surdos. O que existe é uma comunidade bastante heterogênea, a maioria filhos de pais ouvintes não sinalizadores, mas que em grande parte, cedo ou tarde passam a conviver com a Libras e a aprendem no contato linguístico. A comunidade surda brasileira existe tanto presencialmente em associações e escolas de surdos, quanto virtualmente, nos espaços de discussão e diversão na internet.

Contudo, mesmo com os avanços acima descritos, é comum enfrentarmos o discurso daqueles que, baseados em sua experiência gestual, afirmam que as línguas de sinais não seriam suficientes para possibilitar o desenvolvimento linguístico de um indivíduo. Felizmente, não há mais como dar um passo atrás. Estamos muito evoluídos em termos de conhecimento científico sobre a autonomia linguística das línguas de sinais para se dizer o contrário. Somos comprovadamente seres providos de uma determinação biológica que reconhece inputs de diferentes qualidades¹, a saber:

(a) sonoros = línguas orais utilizadas pelos ouvintes;
(b) visuais = línguas de sinais utilizadas por surdos videntes;
(c) táteis = línguas de sinais utilizadas por surdos cegos.

 

Aproveito para remeter o leitor ao primeiro manual de línguas de sinais publicado², onde podem ser encontradas referências de pesquisas realizadas com mais de cinquenta línguas de sinais já estudadas no mundo. Não há mais como dizer que as línguas de sinais não são línguas naturais e humanas!


Três principais áreas da ciência lidam mais diretamente com as pessoas surdas: a educação, a linguística e a medicina (otorrinolaringologistas e fonoaudiólogos principalmente).  A partir dessas, outras áreas correlatas também se ocuparam de investigar a surdez e seus desdobramentos materiais como a tradução, a política, a psicologia e algumas outras. Neste texto, vou me ater às três primeiras áreas, tentando pontuar suas principais contribuições ou retrocessos.
 

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