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Traduzir e… resolver problemas

Poucas pessoas fora do sector da tradução sabem disto, mas o trabalho do tradutor implica resolver problemas todos os dias. Aliás, podemos descrever tudo o que fazemos como um processo complexo de resolução de problemas. Pelo menos, de resolução do problema específico do cliente: o facto de ser necessário comunicar em várias línguas diferentes. Somos especialistas em apresentar soluções para esse problema genérico.

Para começar, temos os problemas que cada tradução apresenta. Como traduzir esta frase? Será que devo traduzir o nome desta instituição? Está aqui uma referência à cultura original: devo deixar como está ou adaptar à cultura de destino? Qual será o termo correcto? Onde posso encontrar o melhor glossário para este trabalho? Estes problemas, acreditem ou não, são os mais simples de resolver. Podemos dizer que foi para os resolver que andámos todos a estudar e a trabalhar.

Depois, temos os problemas criados pelos clientes: os prazos, muitas vezes absurdos para quem sabe quanto tempo demora o processo de tradução. As instruções, muitas vezes difíceis de compreender. As dúvidas por resolver… As alterações de última hora… Uma infinidade de problemas. São problemas complicados, mas têm solução; e quando não têm solução, resolvidos estão.

devo deixar como está ou adaptar à cultura de destino

Temos também, claro, os problemas criados por nós próprios: as traduções deixadas para a última hora. Os glossários que nunca organizámos. As facturas que ficaram por fazer. O valor que temos de receber daquele cliente de que nunca mais nos lembrámos…

Pois, digo-vos: não são estes os problemas mais difíceis de resolver. De certa forma, nem são verdadeiros problemas: um problema só é um problema se ainda não conhecermos a solução. Para tudo aquilo que acabei de dizer, já conhecemos a solução: não deixar para a última hora, ser organizado, não aceitar prazos absurdos, e por aí fora. O problema, claro, é que por vezes somos demasiado preguiçosos para aplicar estas soluções.

Os problemas mais complexos são os problemas que não imaginamos quando pensamos num tradutor a trabalhar. São problemas como: que tipo de ficheiro é este? Como organizar as diferentes exigências dos clientes em relação à facturação? Como aguentar os picos de trabalho? Como transformar este PDF num ficheiro Word? O que fazer quando o computador não liga? Como convencer o técnico da internet a vir cá a casa a tempo de eu enviar o trabalho? Onde haverá WiFi gratuito às três da manhã? Como explicar a um cliente italiano o que é o acordo ortográfico? Como convencer o cliente que a reclamação é absurda? Como adormecer os filhos para poder traduzir? Como saber se estou a ter prejuízo ao trabalhar? Quando e como descansar? Como pagar os impostos? Como arranjar mais clientes? Como pagar a prestação da casa quando os clientes decidiram atrasar-se todos no pagamento?

E, não se esqueçam: ao longo da vida todos vamos apanhar alguns problemas que nem conseguimos imaginar. Bem-vindos à vida dum tradutor…

os problemas mais complexos são os problemas que não imaginamos quando pensamos num tradutor a trabalhar

Podem argumentar: mas este tipo de problemas existe em todas as profissões! Sim, é verdade. Mas, no caso dos tradutores, este tipo de problemas é mais grave e mais comum. Primeiro, porque muitos tradutores são freelancers, sem a ajuda duma equipa, em que há sempre alguém que sabe resolver aquele problema particular. Depois, os clientes são muito diversos, cada qual com as suas manias e exigências e necessidades. Por fim, a tarefa dos tradutores muda todos os dias e a todas as horas. Um tradutor pode estar a traduzir um contrato num dia, com todos os problemas inerentes a esse tipo de texto e, acima de tudo, a esse tipo de cliente. No dia seguinte, pode estar a traduzir um texto publicitário. No outro dia, pode ter entre mãos um manual duma estação de tratamento de esgotos criado em InDesign. Ninguém pode dizer que é um trabalho monótono…

Alguns tradutores põem as mãos na cabeça perante o que acabei de dizer: isso só acontece porque esses tradutores não se especializam! Sim, concordo. Seria bom especializarmo-nos todos. Seria bom sabermos muito bem fazer uma só coisa. Mas, para a grande maioria dos tradutores, isso não é possível. Temos mesmo de aceitar trabalhos fora da nossa área de especialização — temos de sair da nossa zona de conforto todos os dias e resolver os problemas que nos aparecem. E, desenganem-se: mesmo que ficássemos sempre dentro da nossa zona de conforto, os problemas continuariam a surgir.

ao longo da vida todos vamos apanhar alguns problemas que nem conseguimos imaginar

O que fazer? Bem: para começar, podemos tentar aprender a realizar esta tal tarefa contínua que é a tarefa de resolver problemas. Dizem-me os cépticos: ora, isso é das coisas mais fáceis de dizer e mais difíceis de fazer. Concordo! Não sei como ensinar a resolver problemas. Como podemos ensinar a resolver aquilo que ainda não conhecemos? Como ensinar a resolver problemas, se um problema é, por definição, algo que não sabemos resolver?