Ah, essas meninas...

 

Há alguns anos, tenho me aproximado de uma comunidade relativamente perto da minha casa. Sem nenhuma ligação partidária ou religiosa, a partir de uma amizade, semanalmente passo por lá. Meu filho adora brincar com as crianças. Não tem praça, não tem espaço nenhum de sociabilidade. É na calçada mesmo que se divertem…

 

Enquanto as crianças brincam, fico observando. Quase ninguém sabe meu nome. Só me chamam de professor. Algumas crianças são muito carinhosas. Se achegam, querem abraçar, conversar. Em tempos de pandemia, o tempo de escola, de estudo se perdeu. Alguns pegam exercícios para fazer em casa, quase sempre sem acompanhamento, sem incentivo, sem condição nenhuma…

 

Outro dia, uma delas, quase sempre de pés descalços, sentou perto de mim e perguntou como era minha casa. Depois, emendou:

Professor, eu tô muito triste. Meu irmão tá preso.

 

Tomei um susto. Nem sabia que ela tinha um irmão já adulto. E continuou:

— Eu queria tanto vê ele…  Eu gosto tanto dele.

 

E arrematou:

— Eu queria ficar com ele lá no presídio…  

 

Continuei perplexo, sem saber o que dizer àquela criança de oito anos, que não sabia o dia do próprio aniversário…  Tentei falar alguma coisa…  mas não saiu quase nada. Depois ela saiu correndo, foi se ajuntar aos outros. Investiguei o caso e soube que era verdade o que me falara.

 

Fico sempre pensando na vida dessas crianças. E são tantas… Seguirão estudando? Terão direito a uma vida digna? Serão mão de obra barata para o grande mercado? Mães precoces, com filhos sem pai, como tantas que vejo? Trabalhadoras domésticas sem carteira assinada?

Estamos distantes, muito distantes da realidade dos oprimidos. Muito distantes…  mesmo quando o discurso é de revolucionário, de esquerda, me parece que não temos muito claro o que é a vida dos oprimidos. Lembro-me de Paulo Freire contando as lições aprendidas com o povo simples, oprimido. Isto sempre me encantou nele: não era um intelectual de gabinete, como muitos de nós somos. Lembro-me também de um livro que li há mais de trinta anos: ‘A dialética do amor paterno: do amor pelo meu filho ao amor por todas as crianças’, de Moacir Gadotti. E todo dia me pergunto: como educar uma criança para a solidariedade, para o sentido da partilha? Para mim é um grande desafio, pois tudo conspira contra, tudo concorre para um individualismo que me assusta…

 

Quero ler histórias para aquelas crianças, ler com elas. Quero manter a esperança. Manter a esperança, manter a esperança…

 

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