Princípios da sociolinguística

 

Conceitos e definição

 

A sociolinguística costuma ser definida como um ramo interdisciplinar nos estudos da linguagem. Para entendermos onde repousa essa interdisciplinaridade, vamos remontar sucintamente a suas raízes e discutir as subáreas que se abrigam sob a denominação sociolinguística.

 

Em meados do século XX, muitos estudiosos de linguística na Europa, palco de duas guerras mundiais, fixaram residência nos Estados Unidos. Eram pesquisadores renomados, com formação advinda da linguística saussuriana e do Círculo Linguístico de Praga.

 

Uma vez no continente americano, foram confrontados com duas relevantes questões, resultantes da comparação que faziam entre suas línguas nacionais ou maternas e as múltiplas línguas ameríndias encontradas nos territórios atuais do Canadá, Estados Unidos e México.

 

Estas últimas eram usadas por populações muito distintas das europeias e em muitos aspectos, principalmente na amplitude lexical, diferiam daquelas que os cientistas tomavam como referência, incluindo aí línguas mortas como o latim e o grego.

 

Perguntavam-se, então, esses linguistas se as línguas com que iam-se defrontando estariam em um estágio inferior de desenvolvimento. Foi o antropólogo Franz Boas [*1858,+1942] quem primeiro forneceu uma resposta a esse dilema, ao postular o conceito de relativismo cultural.

 

Qualquer língua usada em uma comunidade de fala atende perfeitamente às necessidades comunicativas de seus membros, afirmou. Não há línguas naturais primitivas no sentido de exigirem dos falantes que recorram a gestos ou outros expedientes para se fazerem entender (excluindo-se, naturalmente, as línguas de sinais).

 

Se as necessidades comunicativas da comunidade se diversificarem, seja pelo contato com outros grupos seja por outros motivos sócio-históricos, sua língua terá condições de ajustar-se às novas circunstâncias, ampliando seu léxico e diversificando sua morfossintaxe.

 

A noção de relativismo cultural, que os estruturalistas pioneiros aplicaram às diferentes línguas, foi depois (por volta de 1960) aplicada pelos sociolinguistas às variedades no interior das línguas, ou seja, aos dialetos de cada língua.

 

Outra questão importante para os pioneiros naqueles tempos de colonização decorria de sua própria formação estruturalista.

 

O estudo de qualquer código linguístico àquela altura desconsiderava os usos desse código por seus falantes, que, segundo a dicotomia de Saussure, pertenciam à província da fala. Era no campo da língua, onde tudo são oposições, que as análises se processavam.

 

Tal artifício metodológico permitiu um grande refinamento nas descrições teóricas, que, todavia, se provaram insuficientes à luz dos resultados da dialetologia, ou geografia linguística, trabalho que ia tomando corpo, inicialmente na Europa, depois na América, e registrando muita heterogeneidade quando comparados os modos de falar em cada aldeia, em cada região isolada.

 

Um desses dialetólogos, radicado nos Estados Unidos, Uriel Weinreich [*1926,+1967] e seus discípulos começaram e se perguntar, então, se não seria possível desenvolver uma dialetologia rigorosamente estruturalista. Seu aluno, William Labov, conciliou tal reflexão com a pesquisa dialetológica de campo em comunidades: na ilha de Martha’s Vineyard e em bairros urbanos em Nova York.

 

O trabalho de Labov e de seus contemporâneos, em Washington, DC, que deu início à sociolinguística, tinha como pressupostos o relativismo cultural e a constatação de que toda língua natural é heterogênea.

 

Diante deles havia o desafio de tentar explicar essa heterogeneidade inerente e sistemática, bem como de entender por que crianças de minorias étnicas tinham desempenho escolar muito inferior ao das crianças dos grupos não minoritários de maior prestígio.

 

Surgiu daí uma metodologia sociolinguística que se valia da descrição de fatores linguísticos, particularmente os fonológicos, e fatores étnicos e sociais para explicar a variação na língua.

 

A partir da década de 1970, essa metodologia sociolinguística passou a incorporar sofisticados tratamentos estatísticos, em que os fenômenos linguísticos em variação, a serem explicados, eram as variáveis dependentes e os fatores postulados, as variáveis independentes (de explicação ou antecedentes).

 

Esse modelo quantitativo recebeu nome de sociolinguística correlacional e é ainda hegemônico na área.

 

Paralelamente ao desenvolvimento do modelo de raízes positivistas, outros campos foram criados na disciplina, apoiando-se em modelos qualitativos e interpretativistas, associados à etnografia da fala, com Dell Hymes [*1927,+2009], John Gumperz [*1922,+2013] e outros.

 

Expandiu-se assim a sociolinguística e, a exemplo da sociologia, disciplina mais tradicional, suas diversas subáreas foram classificadas em dois grupos:

 

• Pesquisas de natureza macro (acolhendo temas como multilinguismo, bilinguismo – inclusive pidgins e línguas crioulas –, diglossia, planejamento, atitudes e padronização das línguas;

• Pesquisas de natureza micro, que se ocupam da variação e mudança, do discurso, da interação entre pessoas e da pragmática linguística. Essa divisão também é referida como sociolinguística da sociedade e sociolinguística da língua.

 

No Brasil, ambas as tendências estão muito bem representadas. Observe-se ainda que mesmo linguistas brasileiros, teóricos e aplicados, que não se intitulam sociolinguistas, valem-se de alguns dos princípios da disciplina na análise do português brasileiro e dos nossos seríssimos problemas educacionais.

 

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