capa-blog-dia-12-05

Francisco Jardes Nobre de Araújo

 

Num mundo dominado por homens, a mulher é tratada como um ser diferenciado, que merece uma designação especial. Enquanto a expressão “o homem” pode equivaler a “o ser humano”, como na frase “O homem é mortal”, a expressão “a mulher” só se refere aos seres humanos do gênero feminino.  Ou seja, na mentalidade androcêntrica, o conceito de “homem” se confunde com o de “ser humano”, enquanto o de “mulher” não, e a primeira imagem de ser humano ou de qualquer outro animal que vem à cabeça é a de um espécime macho.

Desde as línguas mais antigas da grande família linguística indo-europeia, a mulher sempre recebeu uma denominação à parte, o que não aconteceria se ela fosse vista em pé de igualdade com os homens.

O substantivo latino homo designava tanto o ser humano em geral, quanto o ser humano do sexo masculino, que também podia ser designado por vir (daí viril), enquanto o ser humano do sexo feminino era femina.  Homo, em sua forma acusativa hominem, passou às línguas românicas homme (francês), home (galego, catalão), hombre (espanhol), uomo (italiano), om (romeno) etc. conservando a duplicidade semântica. Se a designação do ser humano do sexo masculino se faz por um termo pan-românico nas diferentes línguas românicas (embora a palavra romena om seja rara hoje com esse sentido), a do ser humano do sexo feminino se dá por substantivos de diversos étimos latinos: é femme em francês, donna em italiano, mujer em espanhol, mulher em português, femeie em romeno, dona em catalão etc.  O mesmo se dá nas línguas germânicas. O termo germânico para “homem” (mann) existe em todas as línguas da família (é Mann em alemão e em norueguês, mand em dinamarquês, man em inglês, sueco e holandês), mas essas línguas têm termos de origens diferentes para “mulher”: woman em inglês, Frau em alemão, kvinna em sueco etc.

Designar por meio de um substantivo feminino diferente do masculino a fêmea de uma espécie animal que tem importância na cultura de determinado povo é um procedimento comum na maioria dos idiomas do mundo. Nas línguas românicas, por exemplo, têm-se pares de substantivos de raízes diferentes para nomear macho e fêmea de espécies culturalmente importantes. Assim, em português, temos boi/vaca, bode/cabra, carneiro/ovelha, cavalo/égua etc. Já para as espécies em que a distinção entre machos e fêmeas não tem tanta importância, usam-se substantivos de mesma raiz, com alteração apenas no final da palavra (gato/gata, cachorro/cachorra, javali/javalina etc.) ou sem nenhuma alteração, como em cobra, girafa, tigre etc., nomes que designam tanto o macho, quanto a fêmea. Em inglês, a palavra para mulher é woman, que, etimologicamente, significa “homem mulher”, ou seja, “homem do sexo feminino” (de wif, “mulher”, + mann, “ser humano”). A propósito, a palavra wif do inglês antigo para designar a mulher era do gênero neutro, como também seu cognato alemão Weib, que atualmente adquiriu sentindo ofensivo, sendo substituído por Frau.

A língua também revela um tratamento diferenciado dado à mulher na sociedade ao conter designações específicas para ela, inexistentes para o homem. A mulher de um chefe de governo é chamada de “primeira-dama”, mas o marido de uma mulher que desempenha aquele cargo não é chamado de “primeiro-cavalheiro”. Do mesmo modo, a mulher de um embaixador é uma “embaixatriz”, mas o marido de uma embaixadora não é um embaixador. Essas designações dão a falsa impressão de valorização da mulher, quando, na verdade, sugere a ideia de que ela é propriedade do homem.

Conta-se que Cecília Meireles recusava a designação de “poetisa”, por achar que esse termo não tinha a mesma conotação de “poeta” (usado para os homens), ao contrário, soava como minorativo, ou mesmo pejorativo. Por outro lado, Dilma Roussef exigia que a tratassem por “presidenta”, em vez de “presidente”, para enfatizar que quem ocupava o cargo de chefe da nação brasileira era, depois de mais de um século de domínio masculino, finalmente uma mulher.

Em ambos os casos, percebe-se o peso que o substantivo com marca de gênero feminino tem para a representação da mulher na sociedade. Se a igualdade de gêneros fosse uma realidade, distinções como essas não fariam parte de nossas discussões. Quem sabe um pouco de inglês já deve ter elegido essa língua como a mais livre do machismo, por não apresentar desinências de gênero em sua gramática. Enganou-se! Leia mais sobre o assunto aqui na próxima semana. Até lá!