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ÍNDICE “H” EM CIÊNCIAS HUMANAS, LINGUÍSTICA, LITERATURA E ARTES

 

 

Recentemente, participei de algumas reuniões (fóruns nacionais, reuniões de área, comissões, cursos de capacitação institucional para uso de recursos de informação, reuniões colegiadas etc.) nas quais se discutia que deveríamos substituir a avaliação por pares na atribuição de qualificação a revistas de ciências humanas e de linguística, literatura e artes pelo fator de impacto dos periódicos e que deveríamos avaliar nossa produtividade na pós-graduação não pela quantidade de artigos que publicamos, mas pelo nosso “índice H” (para quem não sabe, a explicação do que é índice H pode ser encontrada aqui: https://bit.ly/2I5p4DN, acesso: de maio de 2018). 

 

Essa proposta, inclusive, tem sido apresentada como medida para nos desobrigar de publicar uma quantidade imensa de trabalhos (supostamente) irrelevantes e começar a nos induzir a publicar coisas consideradas mais relevantes (relevância que seria indiciada pelo número de citações que nossos trabalhos receberiam nos artigos de outros autores).

 

Para deixar bem claro, quero falar aqui exclusivamente sobre o índice H. Não vou entrar na discussão sobre qualidade X quantidade, originalidade, produtivismo, adoecimento docente, “salame science”, sobre a definição de políticas a partir do umbigo das ditas “hard sciences”, sobre nada dessas mazelas que nos afogam e atropelam. A gente pode conversar sobre isso tudo (sim, tudo importante) em outro momento. A proposta desse texto é pensar o índice H para nós, para nossas áreas específicas (nas dos outros, não me sinto em condições de dar palpite); se ficar mais claro, este texto é uma convocação ao debate tendo em vista responder à seguinte questão: “Como vamos instituir crivos éticos se adotarmos o índice H em ciências humanas, linguística, letras e artes?”. Já ouvi ótimos argumentos de quem é a favor e de quem é contra sua adoção – inclusive com o argumento bastante sedutor de que mais valem poucos textos relevantes, porém muito lidos e discutidos, do que centenas de textos publicados que ninguém lê e cujo preço para serem postos na praça é nossa saúde física e mental. Preocupada com esse debate, entediada entre uma lista e outra de longas tarefas, resolvi fazer um “experimento científico” (“pelamordedeus”, a expressão aqui é quase um deboche) para pensar sobre como são produzidos nossos índices H.

 

 

“Como vamos instituir crivos éticos se adotarmos o índice H em ciências humanas, linguística, letras e artes?”

 

 

Abri o Google Scholar para ver o índice H de uma das pessoas que conheço que é ferrenha defensora de seu uso, mesmo no que diz respeito a artigos em ciências humanas, linguística, literatura e artes publicados em língua portuguesa. Vi que a pessoa tem um índice H relativamente alto – o que significa que é pesquisadora citada com frequência. Abri a lista dos artigos mais citados dessa pessoa, de acordo com o Google Scholar. O primeiro texto foi citado entre 30-35 vezes (não vou dar o número exato para evitar identificação). Qual não foi a minha surpresa ao descobrir que, das 30-35 citações que o artigo recebeu, apenas 5 foram em artigos em que a própria pessoa não figura como autor ou coautor. Fui para o segundo artigo mais citado. Este agora recebeu entre 20-25 citações. De novo, apenas 5 das citações que o artigo recebeu não foram em textos publicados pela própria pessoa... Repeti o processo “n” vezes, dessa vez com artigos de outros defensores do índice H – e o resultado quase sempre o mesmo.

 

E agora, José?


Não satisfeita, abri e comecei a ler alguns desses artigos supercitados (por seu próprio autor). Muitas das citações que eles receberam do próprio autor foram apenas para noticiar sua existência, sem que eles fossem discutidos, incorporados ou mesmo retomados em seus dados, argumentos e conclusões nos novos textos; estavam ali de modo secundário – ou seja: meu “experimento” faz pensar que sua citação era dispensável no novo texto. Até aí, ok: nem tudo o que a gente põe nos nossos artigos é realmente relevante – vamos ser justos e dizer que há quase sempre coisas secundárias. Mas a pergunta ficou martelando minha cabeça: por que, sistematicamente, esses artigos supercitados apareciam em novos textos de seus próprios autores nessa categoria “dispensável”?

 

 

Nem tudo o que a gente põe nos nossos artigos é realmente relevante – vamos ser justos e dizer que há quase sempre coisas secundárias.

 

 

Fiquei com medo de o meu índice H merreca (é 6, pra vocês não terem o trabalho de stalkear) ter sido forjado nas mesmas bases (sim, eu mesma, quando não tem jeito, ou quando acho justo, cito meus textos – não tenho vergonha disso, porque trabalhei, escrevi, publiquei e os textos estão aí para isso...). Por essa razão, fui conferir também minhas publicações mais citadas: uma é um livro que coorganizei, que foi citado 49 vezes (em 2 delas, em trabalhos dos quais sou autora ou coautora); o segundo texto de minha autoria mais citado é a tese que defendi em 2010, que, de 7 citações recebidas, 5 foram em artigos de minha autoria, derivados da tese ou que dão continuidade à tese (e nos quais, obviamente, eu fazia menção a ela, como maneira de me resguardar da suspeita de autoplágio); o terceiro texto meu mais citado, sempre de acordo com o Google Acadêmico, foi a dissertação de mestrado que defendi em 2008, que recebeu 6 citações, 2 das quais em textos de minha autoria; já o quarto texto mais citado foi um artigo em livro publicado em 2012, que igualmente recebeu 6 citações, 1 das quais em texto de minha autoria; por fim, o quinto artigo recebeu 5 citações, 2 em textos em que figuro como coautora.


Diante desse conjunto de dados, fiquei me perguntando: 

 

(1) Com que interesse adotaríamos o índice H como medida da relevância das coisas que publicamos em ciências humanas e em linguística, literatura e artes?; 

 

(2) Vale forjar um índice H para si mesmo? É bom, é justo? Mais: é isso mesmo o que a gente quer?

 


Vale forjar um índice H para si mesmo?

 

 

Entendo que em ciências da saúde e em ciências exatas essa lógica da autocitação possa ser incontornável, normal, ética. Não estou aqui para falar da vida dos outros, mas da nossa: nós, pesquisadores em ciências humanas e em linguística, literatura e artes, que publicamos fundamentalmente em português. Que isso fique bem claro.


Não quero, evidentemente, continuar mensurando nossa atividade na pós-graduação pelo número de artigos que publicamos por ano (longe mim!). Mas insisto no problema e reapresento a questão agora em outras palavras: 

 

(3) Como vamos instituir crivos éticos para coibir o uso de “bomba” (pra usar o jargão dos marombeiros) – leia-se autocitação indiscriminada – no aumento do índice H em nossas áreas específicas, se essa passar a ser a medida de relevância para o que fazemos?

 

 

(Maria Amélia Dalvi, com uma tranquila pinscher no colo que não está nem aí para a mediocridade dos problemas da universidade brasileira enquanto o mundo desmorona.)