LINGUÍSTICA TEXTUAL

 

Entrevista com Ingedore Vilaça Koch

 

ReVEL — O que mudou e o que ainda pode mudar no ensino de língua portuguesa a partir dos estudos de linguística textual?

 

Ingedore Villaça Koch — A maior mudança foi que se passou a tomar o TEXTO como objeto central do ensino, isto é, a priorizar nas aulas de língua portuguesa as atividades de leitura e produção de textos, levando o aluno a refletir sobre o funcionamento da língua nas diversas situações de interação verbal, sobre o uso dos recursos que a língua lhes oferece para a concretização de suas propostas de sentido, bem como sobre a adequação dos textos a cada situação.

 

TODOS os professores teriam de estar preparados para utilizar em aula os conceitos e as estratégias propagadas pela linguística textual

 

Quanto ao que ainda pode mudar, diria que, em primeiro lugar, tal metodologia teria de ser estendida a TODAS as escolas, públicas e privadas, o que, evidentemente, ainda está longe de ser uma realidade. Para tanto, TODOS os professores teriam de estar preparados para utilizar em aula os conceitos e as estratégias propagadas pela linguística textual e aplicá-las no ensino da produção textual, quer em termos de escrita, quer de leitura, já que esta orientação conforma-se ao que postulam os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa.

 

 

ReVEL — Qual a principal contribuição da linguística textual para o professor de língua materna?

 

Ingedore Villaça Koch Para mim, a principal contribuição, conforme foi esboçado acima, é dotar o professor de um instrumental teórico e prático adequado para o desenvolvimento da competência textual dos alunos, o que significa torná-los aptos a interagir socialmente por meio de textos dos mais variados gêneros, nas mais diversas situações de interação social. Isto significa, inclusive, uma revitalização do estudo da gramática: não, é claro, como um fim em si mesma, mas no sentido de evidenciar de que modo o trabalho de seleção e combinação dos elementos, dentro das inúmeras possibilidades que a gramática da língua nos põe à disposição — e que, portanto, é preciso conhecer —, nos textos que lemos ou produzimos, constitui um conjunto de decisões que vão funcionar como instruções ou sinalizações a orientar a construção do sentido.

 

dotar o professor de um instrumental teórico e prático adequado para o desenvolvimento da competência textual dos alunos

 

ReVEL — Qual o lugar do Brasil nos estudos da linguística textual?

 

Ingedore Villaça Koch — Atualmente, a linguística textual, que se desenvolveu na Europa, particularmente na Alemanha, vem ocupando um lugar de destaque no cenário acadêmico nacional. Este ramo da linguística, depois de ter sido introduzido na Universidade Federal de Pernambuco e em universidades paulistas (PUC-SP, UNICAMP, UNESP, USP), ganhou espaço em grande número de universidades brasileiras, vindo a fazer parte dos currículos de graduação e pós-graduação, o que deu origem a um número respeitável de publicações na área, além de uma série de teses e dissertações, que têm contribuído para a sua divulgação no país e no exterior.

 

 

ReVEL — Segundo você, quais são os limites da linguística textual e quais são suas perspectivas?

 

Ingedore Villaça Koch — A linguística textual, como toda e qualquer ciência, tem evidentemente os seus limites. Sua preocupação maior é o texto, envolvendo, pois, todas as ações linguísticas, cognitivas e sociais envolvidas em sua organização, produção, compreensão e funcionamento no seio social. Tais questões, contudo, só a interessam na medida em que ajudam a explicar o seu objeto de estudo — o TEXTO — e não a sociedade, a mente, a história, objetos que são de outras ciências afins.

Como defende Antos (1997), os textos, como formas de cognição social, permitem ao homem organizar cognitivamente o mundo. E é em razão dessa capacidade que são também excelentes meios de intercomunicação, bem como de produção, preservação e transmissão do saber. Determinados aspectos de nossa realidade social só são criados por meio da representação dessa realidade e só assim adquirem validade e relevância social, de tal modo que os textos não apenas tornam o conhecimento visível, mas, na realidade, sociocognitivamente existente. A revolução e evolução do conhecimento necessita e exige, permanentemente, formas de representação notoriamente novas e eficientes.

 

os textos, como formas de cognição social, permitem ao homem organizar cognitivamente o mundo

 

Assim, a linguística textual, baseada nessa concepção de texto, parece ter-se tornado um entroncamento para o qual convergem muitos caminhos, mas que é também o ponto de partida de muitos deles, em diversas direções. Esta metáfora da linguística de texto como estação de partida e de passagem de muitos — inclusive novos — desenvolvimentos abre perspectivas otimistas quanto a seu futuro, como parte integrante não só da ciência da linguagem, mas das demais ciências que têm como sujeito central o ser humano.

É esta a razão por que a ciência ou linguística do texto sente necessidade de intensificar sempre mais o diálogo que já há muito vem travando com as demais ciências — e não só as humanas! —, transformando-se numa “ciência integrativa” (Antos & Tietz, 1997). É o caso, por exemplo, do diálogo com a filosofia da linguagem, a psicologia cognitiva e social, a sociologia interpretativa, a antropologia, a teoria da comunicação, a literatura, a etnometodologia, a etnografia da fala e, mais recentemente, com a neurologia, a neuropsicologia, as ciências da cognição, a ciência da computação e, por fim, com a teoria da evolução cultural. Torna-se, assim, cada vez mais, um domínio multi- e transdisciplinar, em que se busca compreender e explicar essa entidade multifacetada que é o texto — fruto de um processo extremamente complexo de interação e construção social de conhecimento e de linguagem. 

 

* Em homenagem à professora Ingedore Villaça Kock, reproduzimos a entrevista originalmente publicada como: KOCH, Ingedore Villaça. Linguística Textual: uma entrevista com Ingedore Villaça Koch. Revista Virtual de Estudos da Linguagem — ReVEL. Vol. 1, n. 1, agosto de 2003. ISSN 1678-8931 [www.revel.inf.br]. A Parábola Editorial agradece a Gabriel de Ávila Othero a cessão do texto para publicação no blog da editora