Estrangeirismos no comércio

 

A recepção dos estrangeirismos no comércio

 

Com respeito à presença de vocábulos na maior parte oriundos da língua inglesa no português brasileiro, comumente observados em nomes de empresas, estabelecimentos comerciais, além de cartazes e anúncios em vitrines de lojas, lembro-me que, ao tomar café de manhã na “Padaria Breadway”, num belo dia de verão, numa cidade praieira no litoral paulista, e ao abrir a Folha de S.Paulo de 6 de janeiro 2000, vi meu texto “Língua pasteurizada” publicado na página 3 de “Tendências e Debates” (Schmitz, 2000a).

 

Por ser frequentador assíduo da Breadway, conversava sempre com o proprietário. Mostrei o artigo e ele leu com muita atenção e me perguntou bastante aflito:

 

– Meu Deus! Será que vou ser obrigado a mudar o nome da minha padaria? Gosto do nome “Breadway”!

 

certas palavras de origem estrangeira atraem mais clientes e, até turistas, para os estabelecimentos

 

Imediatamente o tranquilizei, pois o teor central do Projeto de Lei 1.676/99 não se aplicava aos vocábulos “em língua estrangeira que decorrem de razão social, marca ou patente legalmente constituída”. O proprietário ficou aliviado e comentou que o nome “Breadway” foi escolhido, pois, segundo ele, a maior parte dos brasileiros conhecem a palavra inglesa bread e os que viajam ao exterior, especialmente à cidade de Nova York conhecem a famosa avenida “Broadway”. Daí se vê que certas palavras de origem estrangeira atraem mais clientes e, até turistas, para os estabelecimentos. No raciocínio do dono, o nome “Breadway” é mais memorizável e original que nomes como “Padaria Santa Fé” ou “Padaria do Zé”.

 

De fato, existem muitos estrangeirismos bastante criativos como os nomes de dois restaurantes: “Salt’n Pepper” e “Strog e Noff”; este último lembra o vocábulo eponímico strogonoff, o delicioso prato de carne (frango e até camarão) com cogumelos e creme de leite sobre arroz que homenageia Paul Alexandrovich Stroganov (1774-1817). Eis aqui um exemplo de “language play”, pois os usuários “brincam” com a linguagem e o próprio idioma nacional. Outro exemplo de criatividade na recepção de estrangeirismos no Brasil se observa na mistura ou fusão de português e inglês numa única palavra. Estou pensando no nome de um hotelzinho para animais (cachorros e gatos) que busca ser um ambiente verdadeiramente bucólico: Hotel Cãountry composto do substantivo cão e parte do vocábulo inglês country, isto é, “campo”, “cerrado” ou “mata”, longe do barulho e poluição dos grandes centros urbanos.

 

Engraçada foi a sugestão de tirar o anglicismo topless e usar maminhas ao léu!

 

Bem antes da apresentação em 1999 do Projeto do deputado Aldo Rebelo, deparei-me com artigo alinhavado pelo jornalista R. P. Simas Filho (“Estrangeirismos que incomodam”, publicado no D.O. Leitura (7)76: 1988. O autor sugere a remoção de certos estrangeirismos e sua substituição por outras palavras ou expressões. Alguns exemplos: ele recomendou a retirada do vocábulo blazer do idioma e a substituição por outro substantivo, isto é, japona. O problema aqui é que são dois objetos distintos. Engraçada foi a sugestão de tirar o anglicismo topless e usar maminhas ao léu! Não sei se os músicos brasileiros vão acolher “aparelho para agudos” e “aparelho para graves” em vez das palavras consagradas na área musical de tweeter e woofer. Song Book não é cancioneiro para os que trabalham no ramo. Outro observador sugeriu o substantivo classificação em vez de ranking. Daí se vê que é muito difícil cunhar palavras com “passaporte” brasileiro ou português e ainda muito mais complicado implantá-las e fazê-las serem utilizadas pelos falantes do idioma (Schmitz, 1988).

 

Lembro-me somente de um caso de sucesso quando uma palavra foi cunhada e realmente “pegou”: o vocábulo cardápio, que ainda concorre, diga-se de passagem, com menu, lista ou possivelmente ementa. Foi o filólogo brasileiro Antônio de Castro Lopes (1827-1901) que criou o neologismo cardápio. A tentativa de substituir a palavra futebol pelo neologismo balípodo não foi bem-sucedida.

 

Para concluir, apresento duas experiências pessoais com os estrangeirismos. Eis a primeira: na minha fase de aprendizagem de português, tive de “desaprender” o espanhol (a minha primeira língua estrangeira) para avançar no estudo da língua portuguesa. A falta de vocabulário é um problema. Um dia entrei numa loja de ferramentas em São Paulo em busca de um item – mas não sabia como dizer em português o que queria. Tive de recorrer ao espanhol e empreguei o vocábulo enchufe, “aparato que consta de dos piezas que se encajan una en outra, cuando se quiere estabelecer una conexión eléctica” (Diccionario de la lengua española, Madrid: Editorial Espasa Calpe, 2000: 439).

 

O lojista não entendeu a palavra enchufe. Recorri a alguns gestos correndo o risco de ser grotesco. Após certa demora, o vendedor entendeu e me disse, “Ah, o senhor quer um plugue!”