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Todos os anos, quando os editais da pós-graduação são publicados, recebo alguns e-mails e mensagens in box de pessoas me pedindo orientações sobre a seleção, especificamente interessados em concorrer às vagas de orientação que abri.

 

Sempre dou a mesma resposta: não converso em particular ou oriento candidatos para a seleção, sejam conhecidos ou desconhecidos, não leio projetos previamente, porque, por ética, ou eu faço isso com todo mundo que me procurar (e, obviamente, eu não tenho tempo para isso) ou não faço com ninguém. Mas há algumas informações que penso podem ser úteis a um número grande de pessoas, não apenas interessadas na minha orientação.

 

A primeira é: leia o edital atentamente.

 

A segunda é: faça esquemas ou resumos próprios da bibliografia indicada e pense previamente e com calma sobre o que escreveria em relação àquelas obras e sobre as questões que podem suscitar. Não confie no material de estudo de outra pessoa, em cursos preparatórios, em resumos de internet. Se você não consegue ler a bibliografia para a seleção, conseguirá fazer um curso de pós-graduação?

 

 

“complexo não quer dizer confuso, e vice-versa”

 

 

A terceira é: ultrapasse a bibliografia indicada; busque por conta própria comentadores, críticos, resenhadores qualificados, pesquisas que utilizaram aquelas referências indicadas na bibliografia do edital. Mas atente para lançar mão de fontes confiáveis (livros com ISBN e conselho editorial, periódicos especializados, teses e dissertações aprovadas, eventualmente blogs com muitos anos de duração e assinados por pessoas de larga credibilidade etc.).

 

A quarta é: acesse a página do programa de pós-graduação, leia o regimento, preste atenção ao currículo, leia a descrição das linhas de pesquisa para decidir se seu interesse é compatível, abra os Currículos Lattes dos possíveis orientadores, conheça as dissertações e teses que o possível orientador tem orientado nos últimos anos, leia alguns artigos e livros do possível orientador, se possível assista a algumas defesas. Isso é importante também para você não se surpreender ou se decepcionar com o que vai encontrar.

 

A quinta é: antes de escrever um projeto, leia um manual de escrita acadêmica e de pesquisa científica em ciências humanas (mesmo lidando de modo esquemático e muitas vezes estereotipado, esses manuais são úteis para quem não tem noção de como fazer o próprio projeto). Faça um roteiro do projeto antes de começar a escrevê-lo, anotando as ideias-chave, os argumentos, as citações que você pensa usar, o que não pode ficar de fora e quanto espaço você vai dedicar a cada parte. Monte um esqueleto de parágrafo a parágrafo, mesmo que depois você não siga... Veja se seu projeto tem relevância, clareza, progressão e coerência. Minha sugestão é que você grave em áudio uma explicação do que quer fazer, ouça, veja se está claro e depois comece a escrever.

 

 

“obviamente, não compre projeto, não plagie, não faça projetos tão vagos que ninguém saiba o que você efetivamente quer fazer”

 

 

A sexta é: para fazer seu próprio projeto, conecte-o com o campo do conhecimento, com o programa de pós-graduação, com a linha de pesquisa e com o trabalho do possível orientador e dos orientandos dele – se não tem nada a ver, é melhor você buscar outro programa, linha ou orientador. Mas, por outro lado, não repita estudos que já foram feitos, apresente algo de novo, de instigante ou original. Muitas vezes, o mundo está é na sua aldeia; não tenha medo de estudar algo muito próximo da sua realidade, da sua cidade, seu estado, seu país – porém não se esqueça de dar uma chance ao cosmopolitismo.

 

A sétima é: esteja atento(a) a apresentar um projeto com coerência teórico-metodológica. Não saia citando deus-e-todo-mundo para supostamente mostrar erudição. É melhor trabalhar bem com duas ou três referências que você conhece bem do que sair articulando autores e obras que não têm nada a ver uns com os outros. Lembre-se de "dar uma passadinha" (ironia mode on) pela teoria do conhecimento ou epistemologia para se situar em relação às grandes linhas de pensamento. E tenha clareza de se os procedimentos metodológicos são compatíveis com os referenciais teóricos. Por exemplo: se você fala na importância de uma multiplicidade de pontos de vista e do diálogo, não é muito coerente usar um único método e fonte de coleta/produção de dados.

 

A oitava é: faça revisão bibliográfica, sistematize-a e mostre em que sua pesquisa ajudaria à continuidade da produção de conhecimento ou do debate sobre aqueles temas ou questões. Não tenha a arrogância de achar que você é a primeira pessoa a se interessar por estudar o que quer que seja. Visite o portal de periódicos da Capes, o banco de teses e dissertações da Capes, o Scielo, o Google Scholar, bibliotecas físicas e livrarias. Descubra quem são as referências sempre citadas em relação ao assunto, leia e posicione-se em relação a elas. Procure ver em trabalhos do possível orientador ou de orientandos dele como as referências que você pretende usar são tratadas... Sobre esse assunto, não se esqueça de dar créditos, revise mil vezes sua lista de referências bibliográficas, não use fontes indiretas, a menos que não haja escolha...

 

 

“se quiser, seja ousado e criativo, mas não seja nem pedante, nem pareça louco”

 

 

A nona é: peça para pessoas confiáveis, críticas e generosas lerem o seu projeto. Se possível, pague um revisor profissional (ou conte com a camaradagem de um amigo) para te ajudar com as normas da ABNT e da língua, se você não tiver segurança. Lembre-se de que complexo não quer dizer confuso, e vice-versa. Não tente, no projeto ou nas provas, desenvolver um estilo empolado só para tentar se mostrar mais inteligente do que você é. Sério, você não precisa disso. Obviamente, não compre projeto, não plagie, não faça projetos tão vagos que ninguém saiba o que você efetivamente quer fazer. Na prova, antes de sair escrevendo doidamente, faça um roteiro, controle o tempo entre fazer o texto e passar a limpo (se for o caso).

 

A décima é: na prova escrita, no projeto e na prova oral, se quiser, seja ousado e criativo, mas não seja nem pedante, nem pareça louco. Se for verdade, mostre que você tem clareza e segurança sobre o que quer fazer, mostre que você está realmente interessado em fazer aquele curso naquele programa, linha e com aquele(s) possível(is) orientador(es), mostre-se aberto ao diálogo e às novas aprendizagens. Se não for verdade, talvez seja melhor você esperar mais um pouco e amadurecer melhor essa história de pós-graduação.