Cinco passos para produzir um artigo científico de qualidade

Como produzir um artigo científico relevante na graduação e na pós-graduação

 

artigo científico é hoje o gênero textual mais conceituado na divulgação do saber acadêmico, além de ter se tornado um meio de assegurar o espaço profissional do pesquisador. Esse espaço vem se ampliando e abraçando também os graduandos¹, que têm sentido a necessidade das práticas da escrita acadêmica para além da obtenção de nota na avaliação de disciplinas (uma publicação pode ser critério para classificação na obtenção de bolsa de pesquisa, por exemplo). No entanto, nosso maior argumento para a relevância da escrita de artigo científico na graduação (e na pós-graduação) é que sua escrita pode contribuir para desenvolver capacidades linguageiras no discente, que poderão ser mobilizadas em outras situações acadêmicas. Tal argumento se baseia na tese do gênero textual/discursivo enquanto instrumento psicológico (no sentido vigotskiano do termo), desenvolvida por Bernard Schneuwly, pesquisador da Universidade de Genebra. Assim, não importa se o discente irá ou não, de fato, precisar escrever um artigo científico em sua vida acadêmica, mas sim as capacidades linguageiras desenvolvidas ao se trabalhar a produção escrita desse gênero e as operações envolvidas na produção de linguagemsintetizarrelacionar ideiasconcluir, fazer escolhas lexicais adequadas ao objetivo que se tem, fazer escolhas temáticas adequadas ao público-alvo e local de publicação, seleção dos conteúdos, dentre inúmeras outras. Além disso, o artigo científico também faz interface com outros gêneros da esfera acadêmica, tais como o resumo, a resenha, o projeto de pesquisa, a dissertação, a tese, além do seminário e da comunicação oral.


Vamos, então, a algumas dicas básicas para quem quer escrever um artigo científico. A enumeração das dicas visa facilitar alguns esclarecimentos sobre o processo como um todo, não reflete uma linearidade do processo de escrita.

1. O artigo final não conterá tudo o que você leu, pesquisou e escreveu. 

processo da escrita do artigo científico pode ser desmembrado em três instâncias que devem ser compreendidas como inerentes a esse processo. Inicialmente, a prescrição (ou a autoprescrição) do que lhe foi solicitado: se a escrita do artigo for a avaliação de uma disciplina, é importante considerar também as instruções de seu professor. Se você pretende escrever para publicar em uma revista, verifique as normas da revista para saber se seu trabalho será aceito, tanto em relação à temática, quanto ao número de páginas ou de seu papel social, ou seja, aluno de graduação, de pós-graduação etc. Em segundo lugar, ter em mente que boa parte do que você pesquisar pode não ser utilizado na versão final, e (boa) parte do que você escrever poderá ser excluído de seu texto final. Exemplifiquemos esse processo com a escrita do objetivo. Sua definição não é feita de forma mediata e no início do processo, ele irá se modificar conforme seu trabalho de pesquisa e de escrita for se materializando. Entenda que esse processo, que não aparece na versão final, é comum a todo escritor (não só aos acadêmicos). Compreender isso fará dessa “etapa invisível” um processo riquíssimo de aprendizagem em sua caminhada para tornar-se escritor de artigo científico, ou seja, das escolhas que você precisou fazer e de outras que você deixou de fazer. Por fim, o trabalho final, já realizado, é a versão final de seu texto, encaminhada ou aceita para publicação.

 

2. A escrita precisa da mediação dos pares. 

Seu artigo será lido por pareceristas que irão avaliá-lo; traga, então, esse momento de avaliação para o meio do processo. É importante que seu artigo seja lido por outro(s) antes da versão final, pois, quando pensamos que algo está claro, a leitura do texto por um par pode nos dar pistas de que a ideia, a lógica do texto e outros pontos importantes não ficaram tão claros assim. O individualismo não é o melhor caminho para a escrita acadêmica. Valorize seu coletivo, colegas, pessoas que você sabe que podem contribuir para a melhoria do texto. Esse outro pode também ser seu coautor, mas, se não for, e ainda assim trouxer contribuições valiosas para o texto, que tal uma nota de rodapé de agradecimento? Gentileza e ética também são importantes no contexto acadêmico².


3. A escolha do tema.

O tema é o objeto de sua investigação e poderá auxiliar outras pessoas a compreendê-lo melhor e/ou mudar o ponto de vista de outros leitores sobre ele. Vale lembrar que escrevemos para uma comunidade científica ampla que nem sempre compartilha das mesmas teorias que nós. Portanto, quanto mais clareza e boa argumentação, melhor. Assim, defina seu tema de maneira clara e, sim, pense que um bom texto pode convencer seu leitor ou, no mínimo, deixá-lo sem argumento contrário. O tema pode ser definido de inúmeras formas: por leituras feitas, de uma prática de laboratório ou de ensino, de observações da mídia, de textos teóricos que carecem de estudos mais aprofundados sobre uma problemática; entre outros. Evite temas muito amplos: delimite o que irá discutir dentro de uma temática maior. O tema pode ser estudado a partir do que foi feito pelos autores de maior relevância na área (fontes primárias) ou de pesquisadores que retomaram o que esses autores disseram (fontes secundárias). É fundamental não só consultar fontes primárias, como também ter discernimento de quando citá-las e de quando citar as fontes secundárias. O fato de ter tido acesso a determinado conceito através de fontes secundárias não lhe dá o direito de camuflar a fonte primária. Há maneiras de deixar isso claro em seu texto. Por fim, saber onde publicaremos ajuda a definir a temática, pois podemos levantar hipóteses sobre os possíveis leitores e a familiaridade deles (ou não) com o tema escolhido. Afinal, devemos começar a escrita de um texto definindo para onde e para quem escreveremos o artigo, e não o contrário.

 

4. A escolha do tipo de artigo.


Artigos são organizados segundo o tipo de pesquisa que querem mostrar. Alguns deles são:

(i) artigo de revisão teórica ou bibliográfica: relata uma pesquisa que consiste em um levantamento de toda ou boa parte da literatura publicada sobre um tema em um período de tempo específico;

(ii) artigo de relato de experiência: relata um experimento feito para testar determinadas hipóteses (há um ambiente experimental controlado) ou apresenta o relato de uma experiência/vivência do autor, como por exemplo: a aplicação de uma técnica, a realização de uma atividade etc.;

(iii) artigo de pesquisa de campo: apresenta uma pesquisa realizada em campo, com coleta e análise de dados.

Identifique qual artigo é o mais adequado para seu objetivo e pesquise se há outros tipos de artigos comuns à sua área de atuação.

 

5. A articulação entre as partes do artigo 

A articulação do artigo é fundamental, ou seja, os efeitos pretendidos sobre os destinatários e a relação desses efeitos com as formas de organização textual. Geralmente, um artigo contém as seguintes partes: título/autor/filiação; resumo/abstract; introdução, revisão de literatura, metodologia, resultados, considerações finais, referências bibliográficas. É fundamental que, na leitura do texto, os leitores possam apreender essas relações lógicas; portanto, elas devem ser linguisticamente explicitadas, assinaladas. Cada uma dessas partes tem seus objetivos e conteúdos específicos e isso deve ser respeitado. Não se deve, por exemplo, colocar várias citações de autores e conceitos na introdução. Esse não é o objetivo da introdução e sim o da revisão da literatura. E, por falar em introdução, além de primordial, ela é o chamariz para a leitura do todo. Em nossa experiência de leitores, essa é uma parte que apresenta muitos problemas e que mereceria um capítulo à parte.



A dica final é: tenha sempre como interlocutor um bom leitor e imagine sempre o que falta para seu texto ser bem avaliado por esse leitor. Com certeza, você já deve ter pensado no seu... Seguem algumas dicas para dar continuidade à leitura sobre a escrita acadêmica.

¹A revista Mosaico, existente desde 2003, é um exemplo de periódico voltado à publicação de artigos científicos de alunos de graduação de cursos de ciências humanas e é uma publicação da UNESP de São José do Rio Preto. Conforme consta em seu endereço eletrônico, a comissão editorial é formada por alunos de graduação em Letras da UNESP de Rio Preto, e é responsável pela organização, diagramação, impressão, publicação e lançamento da revista: http://mosaicorevista.wixsite.com/revista-mosaico.

²Agradeço a Anna Rachel Machado (in memoriam), parceira e amiga com quem aprendi muito sobre a escrita acadêmica e minha (ainda) leitora imaginária.


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