Sem-Ttulo-3

 

Francisco Eduardo Vieira (UFPB/PROLING/HGEL)

                  

         Do ensino fundamental ao universitário, todo/a professor/a de português busca aprimorar o domínio da escrita de seus alunos por meio das mais diferentes práticas de análise e produção de textos.

         As estratégias pedagógicas dos docentes costumam ser variadas, atendendo a uma gama também diversa de fatores como, por exemplo, o nível de letramento dos estudantes, os objetivos dos planos de aula e de curso, o gênero textual abordado e a relação com os outros eixos do ensino-aprendizagem de língua portuguesa – leitura, oralidade, gramática e literatura.

         Entretanto, há algumas diretrizes capitais que deveriam orientar a prática de qualquer professor/a de produção de textos escritos, independentemente da situação pedagógica envolvida. Entender tais diretrizes e colocá-las efetivamente em funcionamento, propondo práticas que não lhes desrespeitem, são passos muito bem dados em direção ao sucesso no ofício de ensinar a escrever.

 

1a diretriz: Ler e escrever são atividades inter-relacionadas.

         Quanto mais conhecemos um tema, mais facilidade teremos de escrever sobre ele. Repertórios temáticos limitados não expandem nossos modos de interpretar o mundo e apequenam o que temos a dizer por escrito. Portanto, o/a professor/a precisa oportunizar aos estudantes práticas de leitura sobre os conteúdos temáticos abordados nas propostas de escrita apresentadas. Sem a leitura ávida e constante, realmente será muito difícil de os estudantes amadurecerem a escrita.

         Além disso, a leitura de gêneros variados nos fornece exemplos concretos de práticas de escrita correntes. Lendo uma diversidade razoável de textos escritos, o estudante vai percebendo como se costuma escrever um e-mail formal, um artigo de opinião, uma carta do leitor, um relatório de pesquisa, uma crônica, uma resenha, uma dissertação de mestrado e assim por diante. Pela observação e análise de textos, são aprendidas formas de estruturar o texto naquele gênero e de selecionar os recursos linguísticos mais adequados.

 

2a diretriz: Escrever é diferente de falar.

         Esse aspecto pode parecer óbvio, mas nem sempre é compreendido em todas as suas consequências. Apesar de a escrita e a fala mobilizarem questões linguísticas envolvendo uma mesma língua, escrever não é só passar a fala para o papel. Não adianta, por exemplo, mediarmos excelentes discussões temáticas em sala de aula se, em seguida, apenas solicitamos aos alunos que escrevam sobre os temas debatidos. Há dinâmicas muito diferentes envolvidas nesses dois processos (de fala e escrita), das quais os alunos precisam estar conscientes.

         Por exemplo, ao contrário das práticas orais ordinárias, em que dois ou mais interlocutores interagem face a face e em tempo real, nas práticas de escrita os participantes costumam estar ausentes e ser apenas presumidos; não se compartilha um espaço físico de interação e atenção; pode-se voltar ao texto e corrigi-lo sem deixar marcas da correção; precisa haver um planejamento prévio, uma execução controlada e uma autoavaliação constante. Só essas questões já determinam movimentos textuais e recursos linguísticos específicos da escrita (forte centração temática, clara progressão, raras digressões, operadores argumentativos específicos, retomadas dêiticas e anafóricas particulares etc.), os quais precisam ser objetos de ensino aos alunos.

 

3a diretriz: As condições de produção e circulação da escrita devem ser definidas.

         Como qualquer outra manifestação de linguagem verbal, a escrita comporta variabilidade. Essa variação é condicionada pelos objetivos do autor do texto escrito, pelos seus leitores concretos ou presumidos, pelo conteúdo temático abordado, pelo gênero e suporte que o abrigam, pela esfera discursiva em que o texto é produzido e circula, pelo grau de formalidade pretendido ou possível frente à situação delineada. Todas essas condições contextuais conduzem nossas decisões textuais, discursivas e linguístico-gramaticais como escritores, devendo, portanto, ser definidas previamente aos estudantes nas propostas de escrita que lhes são apresentadas.

         Em outras palavras, não podemos querer que nossos alunos escrevam com facilidade sobre isso ou aquilo se não construirmos um projeto de escrita em que estejam claros não só o que escrever, mas também para que escrever, para quem escrever, como escrever, em que gênero escrever, para qual suporte escrever, para que esfera discursiva escrever. Nossa escrita no mundo real é sempre situada e as práticas pedagógicas de escrita também precisam atender às situações desse mundo real – ou ao menos simulá-las.

 

4a diretriz: Escrever é relacionar ideias, informações, opiniões e argumentos com coesão.

Os dizeres de um texto escrito precisam ser “amarrados” a serviço das relações de sentido que se estabelecem entre suas orações, períodos e parágrafos. Em outros termos, os textos escritos precisam ser coesos. Portanto, ensinar alguns procedimentos e recursos coesivos ao estudante é mais uma tarefa do/a professor/a de escrita.

A coesão textual é fator constitutivo da textualidade em prosa, ou seja, é a costura dos textos escritos formais de diferentes domínios discursivos, entre os quais se incluem os gêneros do domínio jornalístico, acadêmico, jurídico, científico, entre outros. Por isso, os alunos precisam ser submetidos a diferentes exercícios de coesão (por retomadas pronominais, por expressões nominais definidas, por encapsuladores demonstrativos, por conectivos etc.), para que aprendam a sinalizar, de modo explícito, ligações de sentido que farão de um texto um artefato verbal dotado de progressão e unidade temáticas.

Afinal, não adianta empregar qualquer recurso coesivo aleatoriamente para unir as partes do texto. Os conectivos, por exemplo, são muito bem-vindos à escrita formal, mas apenas se estiverem semanticamente adequados às ideias que estão sendo amarradas. Não é raro encontrarmos por aí parágrafos introduzidos por “portanto”, mas que não estabelecem nenhuma relação de conclusão entre as partes conectadas; ou trechos articulados por “todavia”, sem nenhuma relação de oposição entre eles possível de ser construída.

 

5a diretriz: Textos devem ser escritos em português brasileiro contemporâneo.

         Somos, fundamentalmente, professores/as da modalidade escrita formal da língua utilizada no Brasil – o português brasileiro – na contemporaneidade. Não podemos exigir dos estudante a escrita de textos cegamente obedientes a uma norma gramatical engessada, obsoleta e desnecessária.

         É desejável que o estudante possa conhecer, por exemplo, construções mesoclíticas, como “analisar-se-á” e “recomendar-se-ia”; regências clássicas de alguns verbos, como “namorar” (Lúcia namora Maria) e “assistir” (Ele assistiu ao filme no cinema); formas verbais na 2a pessoa do plural (cantais, cantáveis, cantastes, cantáreis, cantareis, cantaríeis...); prescrições puristas envolvendo os demonstrativos “isto” e “isso”, “este” e “essa” e flexões; entre outras variantes morfossintáticas possíveis, mas raras ou não exclusivas na escrita atual dos brasileiros letrados. No entanto, não devemos tornar imperativas tais construções nos textos de nossos alunos, sobretudo porque, muitas vezes, as boas gramáticas (as tradicionais, inclusive) já as relativizam em suas prescrições, mesmo em contextos de produção escrita e formal.

         Assim, os/as professores/as de produção de textos escritos, nos mais diversos contextos de trabalho (educação básica e superior, cursinhos, avaliação de redações em processos seletivos, revisão de textos), devem ter cuidado para não serem tragados pela ideologia de que a melhor variante é a mais distante, no tempo e no espaço, de nossos usos cotidianos. Para tanto, devem sempre se cercar de bons instrumentos de referência, normativos e descritivos, além de entender que os textos de seus alunos precisam ser produzidos numa linguagem que corresponda àquela utilizada nas práticas de escrita das pessoas letradas aqui e agora.