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Francisco Jardes Nobre de Araújo

 

Não é nenhuma novidade que termos usados sem nenhum valor depreciativo na designação de homens adquirem frequentemente sentido negativo referindo-se a mulheres. Basta pensarmos no emblemático par rapaz/rapariga no português de algumas áreas do Brasil para ilustrarmos o fato. Mas os exemplos não param por aí, nem o fenômeno é exclusivo da língua portuguesa, como já ouvi sugerirem alguns estudantes de inglês, que alegam ser esta língua “menos machista”, apoiando-se na ausência de flexão de gênero nos nomes ingleses.

Quem não é do Norte nem do Nordeste do Brasil talvez não saiba que rapariga, feminino derivacional de rapaz, converteu-se hoje em um insulto à mulher. É sinônimo de prostituta, meretriz, puta. Aliás, puta também passou pelo mesmo processo: cogita-se que o termo venha do latim vulgar putta, feminino de puttus, que significava simplesmente “rapazinho” e era cognato de puer, “menino”, tirado da raiz indo-europeia *pewH-, donde também saiu purus, “puro”. O masculino puto ainda é usado em Portugal com o sentido original (isto é, “menino”).

Outros correspondentes femininos de termos masculinos têm notadamente uma conotação negativa, geralmente associada à prostituição, como cortesã (no masculino, significa simplesmente “homem da corte” ou, até mesmo, “homem afável”), rameira (o masculino designa o homem que “arremata aos contratadores determinados ramos de um contrato”, segundo o Aurélio) e mulher da vida. Quando não é à prostituição, é à promiscuidade que se associam certos termos femininos: galinha, loba, vaca... Chamar um homem de touro é um elogio! Se cavalo e cachorro designam um homem, respectivamente, grosso e desleal, égua e cadela desqualificam completamente uma mulher. O que dizer do outro correspondente masculino de égua, que é garanhão? Vagabundo é homem desocupado, desempregado, malandro, mas vagabunda é uma mulher promíscua. Também se nota uma distinção de valor entre governante e governanta: enquanto o masculino designa o homem que governa, o feminino designa a mulher que administra a casa de outrem, uma subordinada. Enquanto patrono só contém sentidos honrosos, matrona adquiriu o sentido também de “mulher madura e corpulenta”.

Aos que pensam que a língua inglesa não apresenta casos assim, digo-lhes que nessa língua esses contrastes entre o masculino e o feminino são abundantes. Vejamos: enquanto mister é apenas honorífico, mistress adquiriu o sentido de “amante”; madam também significa “caftina”, mas milord é apenas um nobre inglês; o par governor e governess corresponde ao par português govenante e governanta, já comentado, assim como courtier (cortesão) e courtesan (cortesã).

Também em inglês, alguns insultos atuais para a mulher vieram de termos antes sem nenhuma conotação negativa, como ocorreu com puta e rapariga: hussy (“sirigaita”) proveio de housewife (“dona de casa”), wench (“prostituta”) era apenas “moça”, tart (“vagabunda”, “prostituta”) veio de sweetheart (“querida”), spinster (“solteirona”) antes era apenas “fiandeira”.

Assim como o nosso termo cadela é mais usado hoje para insultar uma mulher do que para designar a fêmea do cão, o termo inglês bitch tornou-se sinônimo de “vagabunda”, “vadia”, a ponto de os falantes de inglês preferirem she-dog para se referirem ao animal, como forma de evitar usar o antigo termo. Vixen, “raposa fêmea”, também adquiriu o sentido de “megera”.

Ainda em inglês, alguns exemplos nos moldes do já comentado par governante/governor e governanta/governess também mostram que, no mundo do trabalho, a mulher é vista frequentemente de forma inferior: chef valoriza o homem que cozinha para um restaurante, enquanto à mulher se trata apenas por cook (“cozinheira”) o que me parece ocorrer também no português; tailor traz mais respeito ao homem que costura do que seamstress o traz para a mulher de mesma ocupação, como se verifica também com o par em português, alfaiate e costureira. O termo poetess causa a mesma sensação de inferioridade que o termo português poetisa.

Os exemplos de termos femininos que sofrem depreciação também podem ser encontrados em muitas outras línguas, porque não é nas línguas que está o problema, mas nas sociedades que se expressam através delas. Não adianta culpar os dicionários ou excluir deles as acepções pejorativas para a mulher neles registradas, quando o machismo continua a ser uma característica nefasta do comportamento das pessoas.